sábado, 8 de novembro de 2008

Eleição, à moda dos bugios


O Estadão de hoje noticia um sincero discurso de um marqueteiro, por mais que isso possa parecer uma contradição em termos:

    Para que um candidato vença uma eleição, vale tudo. É o que diz Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos (Abcop), que também dá aulas de marketing político na Universidade de Salamanca, na Espanha, e foi responsável por 13 campanhas eleitorais este ano. Tudo não exclui, segundo ele, ataques pessoais, jogadas sujas e folhetos apócrifos com acusações: "O que está em jogo é o poder. A política, como dizia Maquiavel, não é moral nem imoral. É amoral". E continuou: "Não dá para fazer política ética e moral no mundo democrático. Isso não existe".

    Manhanelli compara as campanhas eleitorais a uma guerra: "Para se ganhar o poder, não tem limites. É como uma guerra. Existe limite para ganhar uma guerra? Parte para o tudo ou nada, como o Collor (Fernando Collor de Mello) colocando a Miriam Cordeiro no programa de TV e a Marta (Suplicy, do PT) insinuando que (Gilberto) Kassab era homossexual", afirmou.

Taí, gostei da sinceridade. É melhor do que o discurso politicamente correto de "não, a gente não fez isso, vocês é que são maldosos, nossa campanha sempre foi propositiva e de alto nível". Obviamente, ele não disse nada que a gente não saiba: o que importa aos nossos dignos representantes é apenas a dança das cadeiras, e os marqueteiros são contratados pra dar o ritmo da dança.

A julgar pelas peremptórias afirmações do marqueteiro, o negócio é declarar oficialmente instaurada a tecnologia eleitoral dos bugios, portanto.

O bugio é uma espécie de macaco que, para resolver disputas, defeca na mão e atira contra seu oponente. Este responde na mesma moeda. Não sei direito como se decide ao final quem foi que ganhou, mas o cheiro que fica no ar deve ser algo notável.

Reformular o sistema eleitoral a partir da perspectiva de seus mais dedicados operadores, os marqueteiros, pode ter vantagens muito sólidas em termos de custos. Podemos, por exemplo, dispensar a caríssima logística que exige a participação dos eleitores - até porque os índices de abstenção vêm subindo à medida que sobe o descontentamento com o fato de a classe política viver em uma crise paralela.

Se aceitarmos as premissas de que boas decisões são decisões bem informadas e de que o voto é uma decisão importante, já vivemos no mundo do faz-de-conta há muito tempo.

A campanha é sempre curta - compare qualquer período pré-eleitoral brasileiro com o período pré-eleitoral americano, por exemplo. Os candidatos também dificilmente falam sinceramente o que pretendem fazer, pois todos os discursos são pré-fabricados para amoldar-se às expectativas medidas em pesquisas de opinião. Mesmo as divergências não chegam a divergir. Se você observou com atenção os debates em alguma capital, deve ter notado a freqüência com que um candidato perguntava sobre um ponto, o oponente respondia sobre outro e a tréplica versava sobre um terceiro. Faz sentido: se a arte da campanha é a arte do insulto, e se as regras dos debates acertadas com os marqueteiros proíbem o insulto, o debate eleitoral na TV tornou-se a arte de esculpir promessas com bafo quente. Aí, o negócio é cada um jogar pra sua platéia que tá na boa.

Assim, tenho algumas propostas de baixíssimo custo para aperfeiçoar o sistema, do ponto de vista da decisão de quem é que ganha.

    1) Par ou ímpar: a apuração é mais rápida do que a das urnas eletrônicas e todo mundo entende facilmente os resultados. O problema é que, como o Brasil tem muitos partidos, isso só daria certo no segundo turno. O mesmo vale para o cara-ou-coroa. Custo: zero. No cara-ou-coroa, pode-se escalonar o custo de acordo com o quanto valem as propostas dos candidatos - R$ 0,01, R$ 0,05, R$ 0,10, R$ 0,25, R$ 0,50 ou R$ 1.

    2) Palitinho: tem regras um pouco mais complicadas do que o par ou ímpar, mas podem participar mais candidatos. É mais fraudável do que o método anterior, pois sempre pode aparecer alguém com um palitinho quebrado escondido na manga. Custo: acho que uma caixa de fósforos deve custar R$ 0,50. Para honrar os candidatos, pode-se pagar um almoço para todos eles em uma cantina e emprestar o material do paliteiro para que se realize a grande festa da democracia.

Admito que as propostas acima não estão à altura da retórica belicosa do especialista em marketing político. Nenhuma delas verte sangue, premissa básica de qualquer guerra travada fora dos pátios escolares na hora do recreio. Assim, proponho algumas mais adequadas.

    3) Arena de gladiadores: é o meu método favorito, e possivelmente a venda dos direitos de transmissão do espetacular pleito pela TV pode render royalties internacionais para financiar a Justiça Eleitoral. Esse método consiste no seguinte: todos os candidatos são reunidos numa arena para lutarem até a morte. Quem sobrar vivo ganha a eleição. As armas à sua disposição - lança, maça, machadinha - dependerão do grau de financiamento de sua campanha, mas ainda assim seria mais barato do que no sistema atual. Custo: o preço de um aluguel de estádio para jogo de futebol. É caro, mas mesmo assim é mais barato que a logística toda das urnas eletrônicas.

    4) Duelo ao entardecer: poderia ser o método usado no segundo turno. Cada um escolhe sua arma e padrinho. Viram-se de costas um para o outro e dão dez passos. Ao sinal dos padrinhos, miram e atiram. Quem sobrar vivo governa a cidade. A primeira providência para viabilizar isso seria mudar a lei que proíbe duelos no Brasil. Custo: baratinho, especialmente se cada candidato levar sua própria garrucha.

    5) Roleta-russa: outra forma empolgante de resolver o segundo turno, embora não tão romântica quanto a anterior. Frank Miller foi quem melhor descreveu as regras. "Tradicionalmente, a roleta-russa requer uma bala, uma arma e dois idiotas. Os dois idiotas apontam a pistola para as próprias cabeças e apertam o gatilho, um por vez. O idiota de sorte sobrevive." Talvez seja necessário mudar alguma outra lei para viabilizar essa modalidade de pleito. Custo: uma bala de revólver calibre 38 não deve sair mais do que R$ 5.

4 comentários:

Barone disse...

É o chantilly do nosso bolo hipócrita. Não conheço o autor, portanto me pergunto se sua afirmativa é no intuito de legitimar o criticar. Seja como for – e apesar de concordar que esta é a regra – acho que outro comportamento é possível. Gabeira fez uma campanha sem estas artimanhas, por exemplo. E olha que ele tinha munição para cair nesta armadilha fácil contra Paes.

Marcelo disse...

Salve, Barone. Pessoalmente, também acho que outro comportamento é possível, mas tem que combinar com os russos. Veja o caso de São Paulo: seria impensável até setembro ver a Marta, uma ex-deputada que propôs a união civil de homossexuais, usar o tipo de insinuação que usou contra seu oponente. O Kassab, por sua vez, era a vitrine de outro produto do marquetim - no caso, a resposta que não responde. Acompanhei pouco a campanha do Rio, mas tenho boa impressão do Gabeira. Mas o problema é que a briga de bugio é uma armadilha para o processo inteiro. Ele pode ficar impávido enquanto o outro lhe joga bosta, mas o perfume da munição será o mesmo. Se ele desce ao nível do bugilismo, quem começou ganha a vantagem por ter mais experiência nessa modalidade.

Basicamente, só a bomba atômica nos redime. Enquanto ela não vem, espetáculo ensaiado por espetáculo ensaiado, acho que as arenas de gladiadores seriam muito mais divertidas.

Barone disse...

"só a bomba atômica nos redime"
Tenho pensando nisso ultimamente.
E, sim, a arena seria deliciosa.

Helô disse...

A arena, definitivamente.

E desse café que tomas, quero dois. Tô precisando com urgência encontrar soluções criativas.

forte abraço.